2018

Arte: Alice Wellinger

30 de dezembro de 2018.

Helena,

Meus dedos doem ao escrever de tão distantes que estão do ato depois de longos meses. Tenho me aproximado cada dia mais do adulto que sempre achei que não seria: estressada, sempre ocupada, pouco imaginativa e com medo de quase tudo.

Tem dias que volto para casa rindo ao notar como tenho cometido os erros de minha mãe, pensado absurdos que sempre achei intoleráveis e aceitado medidas que nunca achei possíveis. A rotina, tão implacável e doentia, se abate nos meus dias.

Sinto que passei metade desse ano estranho dormindo, em um desgovernado dia de pânico por perceber que seguro mais peso do que dou conta mas já não posso soltar, preocupação por mim, preocupação por você e uma imensa solidão.

Queria te falar que foi um péssimo ano, mas foi o melhor de todos até hoje. Ouvi diagnósticos dolorosos de médicos que me olharam com carinho e pena. Procurei ajuda chorando, rindo e em esperança. Conheci lugares lindos fora e dentro.

E tenho me esquecido do passado. Aquelas lembranças que até ontem me tiravam o sono, hoje não passam de uma brisa de história. É como se pudesse olhar com distanciamento para fatos que sempre me dobraram ao meio. E não sei se isso é bom ou ruim, mesmo, só é fato.

Talvez todas essas conclusões tenham acontecido no dia que viajei para Pinda para te ver. Fiquei sozinha no hotel por algumas horas e aproveitei para ir caminhar até a farmácia, comprar uma tinta escura para apagar mais um erro de aprendizado desse ano: ficar loira.

Na volta, resolvi fazer o mesmo caminho que fazia quando voltava da escola quando tinha doze anos.

Sempre que ia para a escola, passava pela mesma rua repleta de abacateiros. A Paola de doze anos andava por aí imaginando como seria se ganhasse na mega sena, se fosse a mocinha daquele livro de Jane Austen ou estivesse numa escola de magia. Não sei quantas histórias já vivi naquela rua.

Os abacates que caiam no asfalto eram amassados por carros, os da calçada apodreciam ainda redondos, murchando aos poucos, repletos de vermes. Aquele cheiro de abacate, podridão e grama úmida se misturavam com história e por 100 metros faziam meu dia feliz.

Passei por aquela rua que ainda tinha o mesmo cheiro, com a mesma cabeça cheia de imaginação em outras histórias e lembrei que tudo bem ser a pessoa que agora tem horário para tudo, vivi com mil reuniões e projetos para entregar, precisa ensinar uma menina super fofa de cinco anos alguns limites, ainda serei a mesma pessoa que gosta de abacate podre e imaginações sobre o último livro.

Helena, 2018 foi o ano para lembrar que o que importa sempre estará aqui dentro.

Não importa os desafios, não importa as dúvidas e medos, sempre terei para onde voltar porque isso foi construído durante esses duros anos enfrentando tudo de peito aberto: melhor sentir muito do que sentir nada.

Em algum momento nos venderam que sentimentos é algo ruim, que atrapalha, mas gostaria de te dizer que eles estão todos errados, sentir é nossa maior arma de sobrevivência. Sentir nossa intuição, sentir com as lembranças, superar para sentir novos caminhos.

E antes tarde do que nunca, consegui fechar esse ano desperta, porque nunca é tarde para abrir os olhos.

Escrevo agora com minha taça de vinho, ouvindo Carole King e te desejando os máximo de sentimentos possíveis querida. Vai doer, mas acredite, um dia fará muito sentido e você estará sentada como eu, com sua própria jornada.

Faça valer.

Com amor.
Mamãe.

 

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